RESUMO
Os riscos psicossociais relacionados com o trabalho são uma das grandes ameaças para a saúde e segurança dos trabalhadores nos dias de hoje, em especial para aqueles que se encontram a laborar numa área que apresenta vários fatores desfavoráveis, como é exemplo o setor da construção civil e obras públicas. O presente artigo apresenta os resultados de um estudo empírico sobre riscos psicossociais, realizado numa empresa de construção civil e obras públicas, constituída por 16 departamentos e 485 trabalhadores. Pretende-se dar a conhecer uma realidade que para quem trabalha no setor poderá não ser surpreendente, mas, muitas vezes, será desvalorizada. Para avaliar os fatores de riscos psicossociais utilizou-se método FPSICO, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo (INSHT) de Espanha. Este método contém um conjunto de questões cuja finalidade é identificar os fatores demográficos e profissionais que levam à exposição ao risco.
INTRODUÇÃO
Os riscos psicossociais têm ganho uma centralidade analítica e técnica bastante significativa nas últimas duas décadas. Em muito se fica a dever ao trabalho desenvolvido por instituições como a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (AESST) e Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) (Neto, et al., 2014).
Iniciativas como a campanha “Locais de Trabalho Seguros e Saudáveis” da AESST, a decorrer desde 2000, com especial ênfase para as iniciativas de 2002 (Contra o stresse no trabalho, trabalhe contra o stresse) e de 2014-2015 (Locais de trabalho saudáveis contribuem para a gestão do stresse); a campanha sobre os riscos psicossociais no trabalho promovida pelo Comité dos Altos Responsáveis da Inspeção do Trabalho em 2012; o Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho (realizado pela Eurofound desde 1990), destacando-se o quarto (2005) e quinto (2010) pelo maior relevo dado à temática; e ainda o Inquérito Europeu às Empresas sobre Riscos Novos e Emergentes (promovido pela AESST em 2009) têm potenciado esta maior visibilidade social. Daí que muito se fale nos riscos psicossociais como riscos emergentes (Neto, et al., 2014).
Segundo (Cockell, 2008), na indústria da construção civil há um alto índice de instabilidade, um grande contingente de trabalhadores informais, uma alta rotatividade e elevado grau de flexibilidade na utilização de mão--de-obra, principalmente entre os operários. A todas essas situações ainda acrescem as precárias condições de trabalho, em muitos casos, sub-humanas e nocivas à saúde do trabalhador, o risco constante de acidentes e de doenças profissionais, a instabilidade de emprego, a provisoriedade e o constante processo adaptativo a novas realidades de trabalho e de vida, bem como a crise que se faz sentir neste setor. Por todos os motivos mencionados, podemos afirmar que os fatores de risco psicossociais são uma regularidade na vida dos trabalhadores da construção civil, sendo, muitas vezes, a causa de doenças do foro psicológico.
É pertinente referir que estes trabalhadores estão sujeitos pressões de trabalho, com prazos apertados para conclusão das obras, horários alargados de trabalho, estão por vezes deslocados da sua residência habitual e longe das respetivas famílias. As empresas de construção encontram-se num mercado de elevada concorrência, onde impera a lógica da sobrevalorização dos custos ao invés da qualidade de construção e do sentido de serviço ao cliente.
Nesta investigação estabeleceu-se como questão de partida: Quais são e em que medida é que os riscos psicossociais afetam a segurança e a saúde dos trabalhadores numa empresa do setor da construção civil?
RISCOS PSICOSSOCIAIS NOS LOCAIS DE TRABALHO
Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho, 2010), os fatores psicossociais têm sido reconhecidos como questões mundiais que afetam potencialmente todas as profissões e trabalhadores, em todos os países. O aumento da flexibilidade, da precariedade laboral, a intensificação do trabalho e as relações sociais desestruturadas, fazem entrar em jogo algumas práticas de assédio e intimidação, as quais favorecem o aparecimento dos transtornos psicossociais causados pelo trabalho.
Um organismo espanhol (Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo, 2012) indica que os fatores de risco psicossociais no trabalho se referem às condições que estão presentes numa determinada situação e estão diretamente relacionados com as condições ambientais, com a organização, procedimentos e métodos de trabalho, com as relações entre os trabalhadores, com o conteúdo do trabalho e das tarefas, e podem afetar a saúde psicológica e fisiológica dos trabalhadores, assim como o seu desempenho laboral.
Os fatores de risco psicossociais no local de trabalho têm demonstrado causar um impacto negativo na saúde física, mental e social dos trabalhadores (Cox, et al., 2010), levando a um aumento da despesa pública, devido o incremento dos custos nos cuidados de saúde (Cox, et al., 2010). Dentro da extensa lista de riscos psicossociais relacionados ao trabalho o stresse é, indiscutivelmente, aquele que tem merecido maior atenção ao longo das últimas décadas. O burnout e as múltiplas formas de assédio são, talvez, os outros dois riscos mais estudados. Devido à enorme multiplicidade de riscos psicossociais, iremos apenas destacar estes três ao longo deste ponto.
O stresse pode ser visto como um mecanismo que ajuda a enfrentar situações perigosas e predispõe o sujeito a agir, por vezes, de uma maneira rápida e resoluta. Esta é uma reação sadia (inclusive para a própria sobrevivência); porém, quando a exposição ao stresse é excessiva e/ou frequente, apesar de estar dependente de características biopsicossociais do sujeito, ela pode produzir manifestações psicológicas de maior gravidade: ansiedade, descompensações, burnout ou depressão (Jorge, et al., 2018). No debate sobre o stresse ocupacional fica subjacente a interação entre as condições de trabalho e as caraterísticas do trabalhador. Porém, esta relação só se torna preocupante quando as exigências do trabalho ultrapassam as capacidades do trabalhador para lidar com essas mesmas situações (Jorge, et al., 2018).
O burnout é um processo de resposta ao stresse laboral crónico, em que as principais manifestações são a exaustão emocional e física, o cinismo e a ineficácia profissional, e cujas consequências se refletem negativamente a nível individual, familiar, social e profissional (Ribeiro, 2012). A síndrome de burnout caracteriza-se por um processo de cansaço emocional que leva a uma perda de motivação e que pode prosseguir até sentimentos de intolerância ao trabalho e uma sensação profunda de fracasso (Areosa, 2017). Em situações limite pode até conduzir ao suicídio (Dyrbye et al., 2010; Areosa; Pinto; Rolo, 2017 cit in Areosa, 2017).
Conforme refere Areosa (2017), o burnout é um problema social grave e deve ser tratado como uma questão de saúde pública. O seu impacto nas sociedades, nas organizações e na vida das pessoas é suficientemente perigoso para que seja apenas entendido como fruto de personalidades frágeis ou inadaptadas. Esta síndrome tem uma relação estreita com a forma como o trabalho está organizado, bem como com o tipo de trabalho que é realizado. Nas organizações, o burnout expressa-se pelo aumento das taxas de absentismo e/ou presentismo, pela diminuição da produtividade ou pelo abandono do emprego por parte do trabalhador.
O assédio moral (mobbing) compreende toda e qualquer conduta abusiva que se manifesta especialmente por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam atingir a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica da pessoa, pôr em perigo o emprego desta ou degradar o clima de trabalho (Hirigoyen, 2002). Este fenómeno é caracterizado pela humilhação regular do trabalhador. Ao contrário de outras formas, o assédio moral não é necessariamente feito de forma brutal, pode ser dado de maneira discreta e caracteriza-se principalmente pela frequência com que acontece, a intencionalidade e o abuso exercido sobre o assediado. Porém, deve-se ter o cuidado de não confundi-lo com mau humor ou nervosismo. Por exemplo, se realizado uma só vez, não se constitui como assédio (Heloani, 2004; Garcia; Tolfo, 2011; Soares; Oliveira, 2012; Bobroff; Martins, 2013, cit in Morais, et al., 2018).
METODOLOGIA
Para concretizar os objetivos e considerando a abordagem quantitativa deste estudo optou-se pela utilização do Método de Avaliação de Fatores Psicossociais (FPSICO). O principal objetivo deste método é o de proporcionar uma ferramenta para a identificação e avaliação de fatores risco psicossociais. A aplicação do método fornece assim informação para construir um diagnóstico psicossocial numa empresa ou em áreas parciais da mesma (Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo, 2012).
O Método FPSICO foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Segurança e Higiene no Trabalho de Espanha (INSHT) com o intuito de favorecer a identificação de fatores de risco psicossociais, incluindo características sociodemográficas das pessoas e dos postos de trabalho em estudo (Neto, et al., 2014). Permite obter resultados dos trabalhadores de forma individual e coletiva, mas a utilização individual é desencorajada, tanto pela natureza interna da utilização do método como pela informação que se procura (Neto, et al., 2014). Por estes motivos, os resultados obtidos foram analisados de forma coletiva, garantindo-se também o anonimato dos respondentes.
Tabela 1-Critérios para avaliar a probabilidade de risco
Tabela 2-Determinação do nível de exposição
Este método também serve um intuito evolutivo, criando condições para monitorizações continuadas, o que será útil para a identificação de necessidades de mudanças na organização e na otimização dos recursos humanos e do seu bem-estar (Neto, et al., 2014). Ele é composto por quatro instrumentos: uma ficha de caracterização das condições prévias, uma ficha de possíveis indicadores de efeitos na organização, um questionário para recolha das perceções e características dos trabalhadores e fichas para a planificação de ações preventivas.
Neste estudo, foi aplicado o questionário individual a partir da definição de fatores psicossociais, que apresenta questões relativas às condições presentes no trabalho, à organização e ao conteúdo do trabalho, que podem afetar tanto o normal desenvolvimento do trabalho como a saúde dos trabalhadores (Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo, 2012). Para complementar esta escala, é utilizado, juntamente, um questionário para a obtenção de dados sociodemográficos e socioprofissionais dos trabalhadores.
O questionário do Método FPSICO contempla 44 questões, algumas delas com vários itens, perfazendo assim um total de 89 questões. Este dá-nos a informação acerca de 9 fatores, especificamente:
1. Tempo de trabalho (TT);
2. Carga de Trabalho (CT);
3. Exigências Psicológicas (DP);
4. Autonomia (AU);
5. Conteúdo do trabalho (VC);
6. Supervisão/Participação (PS);
7. Desempenho (DR);
8. Interesse pelo trabalhador /compensação (ITC);
9. Relações e apoio/suporte social (RAS).
INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS DO MÉTODO FPSICO
Para determinar o nível de risco da empresa (objetivo final da ferramenta) a pontuação de cada trabalhador em cada fator é transformada num percentil, para posteriormente se contabilizar a percentagem de trabalhadores que se situam em cada uma das categorias estabelecidas segundo do critério da Tabela 1 (Prieto, et al., 2000). Em função das percentagens de trabalhadores em cada categoria, deve-se verificar a eventual existência de exposição aos fatores de risco psicossociais em estudo (Tabela 1).
O nível de exposição mede a frequência de exposição ao risco, para um risco concreto, e pode ser estimado em função dos tempos de permanência nas áreas de trabalho (Mendonça, 2013), tal como se pode observar na Tabela 2.
CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO INSTITUCIONAL ONDE DECORREU A INVESTIGAÇÃO
O estudo foi desenvolvido numa empresa portuguesa que exerce a sua principal atividade no setor da construção civil e obras públicas. A fundação da empresa remonta à década de 1970. O crescimento da organização é acompanhado pela expansão geográfica, iniciando-se nessa mesma década a atividade nos Açores e na Madeira. Atualmente desenvolve também atividades em Angola, Marrocos, Cabo Verde e Equador.
As atividades desenvolvidas pela empresa abrangem praticamente todos os domínios das Obras Públicas e diferentes áreas de negócios, nomeadamente:
Engenharia e construção:
- Vias de comunicação terrestres (auto-estradas, estradas, vias ferroviárias e aeroportos);
- Obras de arte (túneis, viadutos, pontes, etc.);
- Obras marítimas e portuárias;
- Obras hidráulicas;
- Construção civil;
- Requalificação urbana;
- Infraestruturas desportivas.
Indústria:
- Exploração de pedreiras;
- Produção e comercialização de agregados, misturas betuminosas e betão hidráulico.
Imobiliário
- Promoção imobiliária.
A empresa, em Portugal Continental, exerce as suas atividades em diversos locais do território nacional sendo constituída por uma média de 500 trabalhadores, distribuídos de acordo com os seus principais centros de produção localizados, nos distritos de Beja, Coimbra, Évora, Faro, Lisboa, Santarém, Setúbal e Viseu.
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
A amostra é constituída por 196 trabalhadores da empresa em estudo, sendo que o pedido de preenchimento do questionário foi requerido aos 485 funcionários que trabalham em Portugal Continental, obtendo-se assim uma taxa de resposta de cerca de 40%. Para a caraterização desta amostra, descrevem-se as características: sexo (Gráfico 1), idade (Tabela 3), número médio de horas de trabalho diárias, departamento afeto e o nível de cansaço antes e depois da atividade laboral.
Na empresa em estudo, à qual estão vinculados os indivíduos que compõem a amostra, o número de trabalhadores do sexo masculino é muito superior ao número de trabalhadores do sexo feminino.
Relativamente à idade, existe nesta amostra predominância do grupo etário entre os 35 e 44 anos, representando 48,35 % dos trabalhadores.
Quanto à distribuição da amostra por departamentos (Tabela 4), veja-se que cerca de 26,53% pertence à Produção, sendo o departamento que apresenta o maior número de trabalhadores na empresa e na amostra. Segue-se o departamento das Pedreiras com uma percentagem de 14,29% e a Gestão de manutenção com 10,20%.
Gráfico 1-Distribuição dos trabalhadores em função do sexo
Tabela 3-Distribuição dos trabalhadores em função do grupo etário
Fonte: Questionários aplicados, maio de 2018
Tabela 4-Distribuição dos trabalhadores em função do departamento
Fonte: Questionários aplicados, maio de 2018
Por uma questão de simplificação do estudo, optou-se por agregar alguns departamentos, nomeadamente a Direção Geral com a Produção, a Contabilidade e Finanças com a Gestão Administrativa Central e a Gestão da manutenção com a Gestão do Equipamento. O diretor geral tem um grande foco nas obras da empresa e, portanto, na produção. A Contabilidade e Finanças com a Gestão Administrativa Central, por uma questão de tipologia de trabalho que desempenham e partilha do espaço físico. A Gestão da manutenção com a Gestão do Equipamento, dado que têm a mesma chefia e o trabalho é sempre em torno dos equipamentos/máquinas da empresa.
Na amostra recolhida, é de notar que a maioria dos trabalhadores que pertencem aos departamentos de Produção, Indústria, Betão, Pedreiras e Misturas Betuminosas, gestão da manutenção e gestão de equipamento, realizam atividades operacionais, enquadrando-se nas categorias profissionais de serventes, pedreiros, encarregados, condutores-manobradores, motoristas, operadores, mecânicos e serralheiros.
Quanto à distribuição dos trabalhadores em função das horas diárias de trabalho, constata-se que mais de metade dos trabalhadores laboram 9 a 10 horas diárias, representando 59,69% da amostra (Tabela 5).
Retira-se da Tabela 6, no que se refere à distribuição de trabalhadores em função do cansaço antes da jornada de trabalho, classificada numa escala de 0 a 10 (0 representa nada cansado e 10 exausto), a maioria dos trabalhadores, encontra-se abaixo do nível 5, representando 72,45% da amostra. Quanto ao nível de cansaço depois da jornada de trabalho a maior percentagem, 70,41%, encontra-se acima do nível 5 traduzindo-se num nível de cansaço elevado no fim da sua atividade laboral. Este resultado vai ao encontro daquilo que é preconizado pelo filósofo (Han, 2015), o qual afirma que vivemos atualmente em “sociedades do cansaço”. É conhecido que a maioria dos trabalhadores exerce a atividade laboral por mais de 8 horas. Este facto poderá justificar os resultados obtidos relativamente ao nível de cansaço após jornada de trabalho.
Tabela 5-Distribuição de trabalhadores em função das horas diárias de trabalho
Fonte: Questionários aplicados, maio de 2018
Tabela 6-Distribuição de trabalhadores em função do cansaço antes e depois da jornada de trabalho
Fonte: Questionários aplicados, maio de 2018
ANÁLISE DOS FATORES DE RISCO PSICOSSOCIAIS
De acordo com Rodrigues et al. (2013), um dos passos da avaliação de riscos psicossociais é a estimativa destes riscos, sendo que após a recolha da informação, dever-se-á estimar a “probabilidade de exposição”, que pode ser: adequada (irregularmente), melhorável (algumas vezes durante a jornada de trabalho e com um período curto de tempo), risco elevado (várias vezes durante a jornada de trabalho, se bem que com tempos curtos) e risco muito elevado (várias vezes durante a jornada laboral com tempo prolongado).
Assim, após a recolha da informação, observa-se no gráfico 2, a estimativa da “probabilidade de exposição” para o total da amostra, de modo a que se consiga dar resposta a um dos principais objetivos gerais deste estudo: Avaliar a exposição de riscos psicossociais nos trabalhadores de uma empresa do setor da construção.
É notório que nos fatores Carga de Trabalho, Supervisão/Participação e Relações de Apoio/Suporte Social existe um elevado risco de exposição (percecionado pelos trabalhadores), sendo que a amostra se distribui maioritariamente no “risco muito elevado” com percentagens de 51 %, 55% e 50% respetivamente; isto indicia que os trabalhadores se encontram várias vezes expostos a estes fatores de risco, durante a jornada laboral.
Os fatores aqui identificados estão relacionados com a incapacidade de lidar com as exigências da profissão, ou seja, se uma pessoa sentir que as exigências do trabalho são excessivas e que não consegue lidar com elas, tais exigências podem provocar stresse, devido: à Carga de Trabalho (AESST, 2013; Eurofound & EU-OSHA, 2014; Gil-Monte, 2009; Leka et al., 2008; Leka et al., 2010), baixos níveis de apoio e estímulo para a resolução de problemas e desenvolvimento pessoal; à Supervisão/Participação (Leka et al., 2003; Leka et al., 2008; Leka et al., 2010); e às Relações de Apoio/Suporte Social os relacionamentos no trabalho que podem provocar pressão psicológica quando os trabalhadores sofrem discriminação, possuem más relações com os superiores/colegas e/ou enfrentam conflitos interpessoais e/ou falta de apoio social (AESST, 2013; Eurofound & EU-OSHA, 2014; GilMonte, 2009, 2012; Leka et al., 2003; Leka et al., 2008; Leka et al., 2010).
O Gráfico 3 representa o resumo da exposição aos 9 fatores de risco psicossociais em estudo analisados pelo método FPSICO, para a variável independente Sexo, apresentando-se o resultado da soma das situações Adequadas com as Melhoráveis e as situações de Risco Elevado com as de Risco Muito Elevado.
Nos fatores Tempo de Trabalho, Autonomia e Relações de Apoio e Suporte os indivíduos do sexo masculino percecionam estar mais expostos aos riscos psicossociais, pois apresentam valores mais elevados. No caso do sexo feminino, percecionam estar mais expostas aos riscos psicossociais nos fatores Carga de Trabalho, Participação e Supervisão, Interesse e Compensação pelo Trabalhador e Desempenho, pois apresentam valores mais elevados do que o sexo masculino.
Na Tabela 7 apresenta-se o mapa resumo da exposição aos 9 fatores de risco psicossociais em estudo analisados pelo método FPSICO, para a variável independente Setor / Departamento, apresentando-se o resultado da soma das situações Adequadas com as Melhoráveis e as situações de Risco Elevado com as de Risco Muito Elevado.
Verifica-se que, de uma forma geral, quase todos os departamentos têm uma maior perceção de exposição aos fatores de risco Relações de Apoio e Suporte Social, Participação/Supervisão e Carga de Trabalho. Para além destes fatores de risco, os departamentos de Gestão de Sistemas, Gestão da manutenção e Gestão de Equipamento e o de Estudos e Propostas, apresentam também uma maior perceção ao fator de risco Interesse pelo Trabalhador/Compensação.
Gráfico 2-Resumo da exposição para cada um dos nove fatores analisados pelo método FPSICO 4.0.
Legenda: Tempo de trabalho (TT); Carga de Trabalho (CT); Exigências Psicológicas (DP); Autonomia (AU); Conteúdo do trabalho (VC); Supervisão/Participação (PS); Desempenho (DR); Interesse pelo trabalhador/compensação (ITC); Relações e apoio/suporte social (RAS).
(Fonte: Questionários Aplicados, maio de 2017).
Gráfico 3-Análise da exposição aos fatores de risco psicossociais relativamente ao sexo
Legenda: Tempo de trabalho (TT); Carga de Trabalho (CT); Exigências Psicológicas (DP); Autonomia (AU); Conteúdo do trabalho (VC); Supervisão/Participação (PS); Desempenho (DR); Interesse pelo trabalhador/compensação (ITC); Relações e apoio/suporte social (RAS).
Fonte: Questionários Aplicados, maio de 2018, output FPSICO 4.0
Tabela 7-Mapa de riscos psicossociais: Setor-Departamento afeto / Fator de Risco
Legenda: Tempo de trabalho (TT); Carga de Trabalho (CT); Exigências Psicológicas (DP); Autonomia (AU); Conteúdo do trabalho (VC); Supervisão/Participação (PS); Desempenho (DR); Interesse pelo trabalhador/compensação (ITC); Relações e apoio/suporte social (RAS).
Fonte: Questionários Aplicados, maio de 2018, output FPSICO 4.0
MEDIDAS DE PREVENÇÃO
Para prevenir os efeitos da exposição aos fatores de risco psicossociais na saúde dos trabalhadores caberá à gestão da empresa implementar as medidas de prevenção adequadas, sendo que no presente caso, estas foram desenvolvidas de acordo com os resultados obtidos e estão de acordo com as orientações da AESST (Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, 2013).
Ao nível da gestão de topo
É importante que antes da aplicação de medidas organizacionais, ou seja, medidas preventivas que devem ser adotadas/aplicadas diretamente aos trabalhadores, exista um envolvimento e preocupação por parte dos superiores hierárquicos da empresa, em dar os primeiros “passos” no processo de prevenção.
Assim apresentam-se algumas medidas que deverão ser tomadas a este nível:
. Estabelecer políticas orientadas para combater os fatores de risco psicossociais e promover um clima saudável na empresa, nomeadamente:
- Políticas de coesão das equipas, com envolvimento dos trabalhadores e das chefias (em todos os níveis);
- Política de combate ao stresse;
- Política de combate ao assédio moral e sexual;
. Envolvimento de todos os trabalhadores nas grandes decisões da empresa, através da criação de grupos de trabalho;
. Estabelecimento das orientações estratégicas da empresa e divulgação das mesmas a todos os colaboradores;
. Realizar nova avaliação de riscos psicossociais, devendo ser incluídas todas as empresas do grupo.
Ao nível organizacional
Devem apresentar-se medidas transversais à empresa que irão diminuir a exposição aos fatores de risco psicossociais identificados e proporcionar melhorias, promovendo um ambiente de trabalho mais saudável, tais como:
. Desenvolvimento de um plano de gestão de carreiras, alinhado com o plano de desenvolvimento profissional dos trabalhadores;
. Implementação de um sistema de avaliação de desempenho, com objetivos e metas definidas em conjunto com os trabalhadores;
. Realização de campanhas de desenvolvimento pessoal/profissional com o levantamento das necessidades de formação em todos os departamentos, com elaboração e divulgação do plano de formação e efetiva implementação conforme cronograma estabelecido;
. Formação sobre liderança e gestão do tempo e de prioridades, em todos os centros de produção da empresa, envolvendo todos diretores, gestores e chefias;
. Apresentação da situação financeira da empresa e estabelecer objetivos financeiros a atingir;
. Explorar a possibilidade de disponibilizar consultas de psicologia no trabalho, através da empresa de serviços externos de saúde ou através de parcerias com clínicas especializadas de psicologia;
. Implementação de um programa atividades de grupo e de parcerias estratégicas dispersas por todas as áreas geográficas onde a empresa desenvolva atividade (ginásios, áreas comerciais, instituições culturais, etc.);
. Acompanhamento semanal dos trabalhadores sinistrados por acidente de trabalho ou doença profissional com mais de 15 dias de incapacidade temporária absoluta, por um técnico da área dos recursos humanos ou do departamento de segurança.
CONCLUSÕES
Este estudo apresenta-se como um pequeno contributo para uma melhor compreensão da temática dos riscos psicossociais, constituindo-se como uma primeira incursão à avaliação e identificação de riscos psicossociais no local de trabalho, nomeadamente no contexto de trabalho das empresas do setor da construção civil e obras públicas.
Os fatores de maior risco (exposição muito elevada) foram os seguintes: Carga de Trabalho, Participação/Supervisão e Relações de apoio e Suporte Social. Os estudos de Silva et al. (2012) demonstraram que as “exigências cognitivas” (Carga de Trabalho) são valores críticos; isto vai de encontro com os resultados do nosso estudo. Contudo, obtiveram-se outros fatores não contemplados por (Silva, et al., 2012), o que vem demostrar que não se podem fazer grandes generalizações.
Os fatores que apresentaram melhores resultados ao nível da exposição adequada foram: Tempo de Trabalho, Autonomia, Exigências Psicológicas e Variedade e Conteúdo. Estes resultados estão, em parte, de acordo com estudos de Silva et al. (2012), onde obtiveram melhores pontuações para os fatores: transparência do papel laboral desempenhado (Desempenho), comunidade social no trabalho (Relações de Apoio e Suporte Social), autoeficácia (Autonomia) e significado do trabalho (Conteúdo de Trabalho). Verificando-se a existência de diferenças para os fatores Exigências Psicológicas e Relações de Apoio e Suporte Social, em que no presente estudo o primeiro obteve valores aceitáveis no que respeita à perceção da exposição a este fator de risco, e o segundo apresentou valores muito elevados de exposição ao risco, o que está contrário ao estudo efetuado por Silva et al. (2012).
Pretendeu-se com este estudo oferecer um singelo contributo para a identificação dos principais fatores de risco psicossociais e o seu grau de exposição, por parte dos trabalhadores, numa empresa do setor da construção civil. Pretendeu-se também apresentar algumas medidas de prevenção que visam a manutenção e a promoção da saúde, da segurança e bem-estar dos trabalhadores, tendo-se definido um plano de ação / plano de acompanhamento de objetivos a implementar na empresa, bem como a forma de as controlar e monitorizar.
Foi elaborado um plano de acompanhamento de implementação das medidas propostas com definição de objetivos a cumprir, devendo ser realizada uma nova avaliação de riscos psicossociais, para que se consiga perceber qual o impacto das medidas implementadas na redução dos fatores de risco psicossociais na empresa.
Referências bibliográficas
AESST. 2007. Expert forecast on emerging psychosocial risks related to occupational safety and health. Luxemburgo : Office for Official Publications of the European Communities, 2007. 978-92-9191-140-0.
Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho. 2013. Guia eletrónico para a gestão de riscos psicossociais e de stresse. [https://eguides.osha.europa.eu/stress/PT-PT/] Santiago de Compostela, Espanha : Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, 2013. 978-92-9240-097-2.
Areosa, J. 2017. Burnout - Um processo de desumanização como autodefesa. Revista Segurança. 239, 29-33.
Borges, H. & Martins, A. 2004. Migração e sofrimento psíquico do trabalhador na construção civil: uma leitura psicanalítica. Physis: Revista de Saúde Coletiva. 14, 129-146.
Cockell, F. F. 2008. Da enxada à colher de pedreiro: trajetórias de vulnerabilidade social na construção civil. (Tese de doutoramento). [https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/3320/1858.pdf?sequence=1&isAllowed=y] São Paulo : Engenharia de Produção - Universidade Federal de São Carlos, 2008.
Coelho, J. A. 2008. Uma introdução à psicologia da saúde ocupacional: prevenção dos riscos psicossociais no trabalho. Porto : Edições Universidade Fernando Pesso, 2008. 9789896430092.
Cox, T., Leka, S. & Kortum, E. 2010. Psychosocial risks and work-related stress in developing countries: health impact, priorities, barriers and solutions. International Journal of Occupational Medicine and Environmental Health. 23, 225–238.
Han, B-C. 2015. Sociedade do cansaço. São Paulo: Vozes.
Hirigoyen, M-F. 2002. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2002.
Instituto Nacional de Seguridad e Higiene en el Trabajo. 2012. Factores psicosociales: metodología de evaluación. [http://www.insht.es/InshtWeb/Contenidos/Documentacion/NTP/NTP/926a937/926w.pdf] 2012. 272-13-015-4.
Jorge, I. & Areosa, J. 2018. Stress e trabalho: percepções de docentes terapeutas ocupacionais do Brasil e Portugal. International Journal on Working Conditions. 16, 139-157.
Mendonça, A. L. 2013. Métodos de avaliação de riscos: Contributo para a sua aplicação no setor da construção civil. [https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/3670/1/Relat%C3%B3rio_Avalia%C3%A7%C3%A3o%20de%20%20Riscos.pdf] Faro : Universidade do Algarve. Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2013.
Morais, A., Ferraz, D. & Areosa, J. 2018. Relações de trabalho na dinâmica do capitalismo contemporâneo: uma antecâmara para o suicídio? Revista TMQ – Techniques, Methodologies and Quality. Número especial, 2018, 12-28.
Neto, H., Areosa, J. & Arezes, P. 2014. Manual sobre Riscos Psicossociais no Trabalho. Porto : Civeri Publishing.
Organização Internacional do Trabalho. 2010. Riscos emergentes e novas formas de prevenção num mundo de trabalho em mudança. Organização internacional do Trabalho. [Online] Abril de 2010. [Citação: 12 de novembro de 2018.] https://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf. 978-989-8076-53-3.
Prieto, G. & Muñiz, J. 2000. Un modelo para evaluar la calidad de los tests utilizados en España. Papeles del Psicólogo. 77.
Rodrigues, A. et al. 2013. Documento de referência: Atuação dos Industriais no âmbito do SIR (Segurança e Saúde do Trabalho). [https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/documentos-so/documento_atuacao-dos-industriais-no-ambito-do-sir-pdf.aspx] s.l.: Autoridade para as Condições de Trabalho & Direção-Geral de Saúde.
Silva, C. et al. 2012. Questionnaire COPSOQ: Portugal e países africanos de língua oficial portuguesa. s.l.: Universidade de Aveiro.