UTILIZAÇÃO EXCESSIVA DO SMARTPHONE: IMPLICAÇÕES PARA OS INDIVÍDUOS PELA NÃO RECUPERAÇÃO

18 fevereiro 2020
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Author :   Sónia P. Gonçalves
Gonçalves, S.P. (2020). Utilização excessiva do smartphone: implicações para os indivíduos pela não recuperação. Revista Segurança Comportamental, 13, 7-10. GA, Lda. Lisboa. Portugal Sónia P. Gonçalves | Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa (ISCSP-ULisboa). Centro de Investigação e Intervenção Social (CAPP). Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG). | goncalves.sonia@gmail.com

Os smartphones são atualmente equipamentos que fazem parte do nosso dia-a-dia. A sua utilização está generalizada a nível global com valores de penetração no mercado superiores a 90%. Apesar de algumas vantagens, há também desvantagens associadas a riscos para a saúde, incluindo situações de ansiedade, depressão, isolamento e burnout; riscos ao nível interpessoal como o aumento de isolamento e conflitos familiares, entre outros. Em termos de recuperação não há receitas, cada pessoa deve identificar de que forma pode recuperar e agir de acordo com essa análise.

Os smartphones são atualmente equipamentos que fazem parte do nosso dia-a-dia. A sua utilização está generalizada a nível global com valores de penetração no mercado superiores a 90% (para uma análise mais aprofundada sugere-se a leitura dos Global Mobile Consumer Survey realizados anualmente pela Deloitte).
Os smartphones apresentam inúmeras vantagens, possibilitando às pessoas realizar diversas atividades, como telefonar, enviar e receber emails, compras online e networking social, em qualquer lugar e em qualquer hora. Apesar das vantagens de networking e das melhorias de produtividade provenientes da sua utilização, os smartphones têm sido estudados relativamente ao seu uso excessivo e na forma como este fator pode interferir na vida dos indivíduos.
O crescimento exponencial da utilização do smartphone tem sido, muitas vezes, associada a riscos para a saúde, incluindo situações de ansiedade, depressão, isolamento e burnout; riscos ao nível interpessoal como o aumento de isolamento e conflitos familiares; bem como riscos associados ao uso do telemóvel durante a condução, podendo originar acidentes, entre outros. A utilização compulsiva do smartphone está a tornar-se problemática, tendo os investigadores encontrado sintomas provenientes da dependência excessiva dos smartphones. Podemos falar de uma situação de dependência do smartphone quando a utilização excessiva do smartphone que interfere com a vida diária dos utilizadores. Como qualquer dependência temos associados atos repetitivos de falta de controlo que precipitam problemas pessoais e sociais.
Alguns estudos revelam dados preocupantes, 46% dos utilizados do smartphone afirmaram que não “conseguem viver sem o seu telemóvel” (Duggan & Smith, 2015), quando separados dos mesmos experienciam sentimentos de ansiedade (Cheever et al., 2014) e sintomas fisiológicos de abstinência (Clayton et al., 2015). Além disso, muitos indivíduos relatam terem a sensação de que o seu smartphone está a vibrar, mesmo em situações de ausência de notificações (Kruger & Djerf, 2016).

"Os utilizadores excessivos do smartphone exibem sinais como:
(1) preocupam com o smartphone;
(2) aumento do tempo despendido na utilização do smartphone de forma a atingir o mesmo nível de satisfação;
(3) esforços repetitivos e sem sucesso para controlar, reduzir ou parar a utilização;
(4) sentimentos de inquietação quando tentam reduzir a utilização;
(5) prejudicar relações significantes, empregos ou oportunidades educacionais e de carreira devido ao uso do smartphone;
(6) utilizar o smartphone como forma de aliviar o humor disfónico, como o sentimento de culpa."

Podemos incluir ainda comportamentos de verificação automática do telemóvel, visualização do telemóvel imediatamente antes de adormecer e imediatamente a seguir a acordar, programação de alertas para verificação de redes sociais durante a noite, verificação constante de chamadas perdidas, mensagens e emails, ou durante um encontro de amigos ou familiares ninguém trocar um olhar, mas apenas estarem ligados ao telemóvel. Quem já esteve num restaurante e viu famílias completas ao telemóvel? Quando é que vamos levantar os olhos e ver o que se passa à nossa volta?
Alguns estudos sobre a utilização problemática do smartphone apontam diferenças entre géneros, nomeadamente que os indivíduos do sexo feminino têm uma utilização do smartphone mais intensiva do que os indivíduos do sexo masculino (Billieux, Van der Linden & Rochat, 2008; Sánchez-Martínez & Otero, 2009; Geser, 2006), e que estão mais propensas a experienciar dependência em relação ao smartphone (Billieux, Van der Linden & Rochat, 2008; Geser, 2006; Leung, 2008). Além disso, indivíduos mais jovens revelam maior utilização e sintomas de dependência do smartphone do que indivíduos mais velhos (Billieux et al., 2008; Leung, 2008).

NO TRABALHO…
Enquanto os smartphones podem ser utilizados para uma variedade de propósitos relacionados com o trabalho (e não-trabalho), uma das funções que recebe mais atenção no que respeita ao trabalho é o e-mail. O e-mail é, atualmente, o método principal de comunicação, e a maior parte dos trabalhadores verificam o seu e-mail muito frequentemente devido à quantidade de mensagens que recebem. Este padrão estende-se ao e-mail no smartphone, o que contribui para o aumento das exigências no seu trabalho comunicadas por e-mail. O uso do e-mail fora das horas de trabalho tornou-se normal e aceitável para mesmos, isto é, é encarado como parte do seu papel enquanto trabalhador. Contudo, esta normalidade percebida não o previne de se tornar um problema.
A utilização compulsiva do smartphone para questões relacionadas com o trabalho significa estar sempre disponível e nunca ausente do trabalho. Esta necessidade de estar continuadamente a verificar e a responder a e-mails pode contribuir para maiores níveis de stresse e até burnout.
Apesar do conhecimento considerável acerca da natureza do burnout no trabalho, as suas causas e consequências, este continua a ser considerado como a maior crise de carreiras no século XXI. A persistência do burnout ao longo do tempo e a sua prevalência em todo o mundo suporta a ideia de que o burnout reflete um desafio fundamental da vida profissional (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001; Schaufeli, Taris & Rhenen, 2008). Os indivíduos simplesmente não ignoram as frustrações no trabalho, mas ao invés reagem de uma forma que, posteriormente, se reflete na sua energia (exaustão), envolvimento (despersonalização) e eficácia (Leiter, Bakker & Maslach, 2014).

"Definição de burnout
Exaustão emocional – sentimentos de desgaste e esgotamento dos recursos emocionais
Despersonalização – adopção de atitudes negativas, frias e distanciadas face ao trabalho
Redução de realização pessoal – diminuição de sentimentos de competência e eficácia profissional
(Maslach, 1999)"

Este estado de stresse crónico e intenso é caracterizado pela exaustão mental e fatiga física, distanciamento do trabalho e perda de energia. Paralelamente, é percecionada como uma reação afetiva à exposição prolongada de stresse no trabalho, isto é, a situações em que as exigências do trabalho excedem os recursos adaptativos dos indivíduos (Schaufeli et al., 2009). Desta forma, é importante que os indivíduos ingressem em experiências de recuperação que lhes permita distanciar do trabalho. Os indivíduos têm a necessidade de recuperar dos esforços despendidos durante o horário de trabalho, uma vez que a recuperação previne a exaustão e permite estar apto para o próximo dia de trabalho (Meijman & Mulder, 1998); Sonnentag, 2003).

"O termo recovery refere-se ao processo que desfaz as reações de tensão causadas por fatores stressores do trabalho (Meijman & Mulder, 1998). A recuperação ocorre durante os períodos de tempo em que não existem exigências semelhantes às exigências impostas pelo trabalho, ou quando novos recursos (e.g., energia ou sentimentos de controlo) são criados. Normalmente, a recuperação acontece durante períodos de descanso no trabalho, noites livres, fins-de-semana ou férias."

As experiências de recuperação referem-se ao processo que potencia a recuperação do stresse experienciado no trabalho (Sonnentag & Geurts, 2009). As atividades de lazer (e.g., ver televisão) manifestem o seu potencial de recuperação habilitando experiências específicas, como o afastamento psicológico do trabalho, relaxamento, procura de desafios e controlo sobre as atividades de lazer (Sonnentag & Fritz, 2007). O afastamento psicológico implica o distanciamento mental do trabalho durante o horário fora do trabalho, enquanto o relaxamento é um estado caracterizado pela baixa atividade. A procura de desafios refere-se aos processos associados com atividades desafiantes e de aprendizagem. Por último, o controlo aplica-se aos tempos de lazer referentes à autodeterminação em decidir como despender o tempo livre.
Não há receitas, cada pessoa tem de investir no seu tempo de não trabalho, no seu tempo de recuperação, identificar o que lhe permite recuperar. Termino com uma simples questão: será que é com os olhos no telemóvel, a ignorar a vida à nossa volta, a receber e-mail constantes do trabalho ou a perdermo-nos em notícias das redes sociais que vamos recuperar?

Sugestões de leitura:
Cazzulino, F., Burke, R. V., Muller, V., Arbogast, H., & Upperman, J. S. 2014. Cell phones and young drivers: a systematic review regarding the association between psychological factors and prevention. Traffic injury prevention, 15(3), 234-242.
Cheever, N. A., Rosen, L. D., Carrier, L. M., & Chavez, A. 2014. Out of sight is not out of mind: The impact of restricting wireless mobile device use on anxiety levels among low, moderate and high users. Computers in Human Behavior, 37, 290-297.
Clayton, R. B., Leshner, G., & Almond, A. 2015. The extended iSelf: The impact of iPhone separation on cognition, emotion, and physiology. Journal of Computer‐Mediated Communication, 20(2), 119-135.
Demirci, K., Akgönül, M., & Akpinar, A. 2015. Relationship of smartphone use severity with sleep quality, depression, and anxiety in university students. Journal of behavioral addictions, 4(2), 85-92.
Fritz, C. & Sonnentag, S. 2005. Recovery, Health, and Job performance: effects of weekend experiences. Journal of occupational health psychology, 10 (3), 187-199. 
Lee, Y. K., Chang, C. T., Lin, Y., & Cheng, Z. H. 2014. The dark side of smartphone usage: Psychological traits, compulsive behavior and technostress. Computers in Human Behavior, 31, 373-383.
Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, M. P. 2001. Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. 


Referências Bibliográficas
Duggan, M. & Smith, A. 2015. Social Media Update 2013. In https://www.pewresearch.org/internet/2013/12/30/social-media-update-2013/
Cheever, N.A., Rosen, L, Carrier, A. 2014. Out of sight is not out of mind: The impact of restricting wireless mobile device use on anxiety levels among low, moderate and high users. Computers in Human Behavior, 37, 290–297.
Kruger, D.J. & Djerf, J.M. 2015. High Ringxiety: Attachment Anxiety Predicts Experiences of Phantom Cell Phone Ringing. Cyberpsychol Behav Soc Netw., 19(1), 56-59.
Billieux, J., Van der Linden, M., & Rochat, L. 2008. The role of impulsivity in actual and problematic use of the mobile phone. Applied Cognitive Psychology, 22(9), 1195-1210.
Maslach, C., Schaufeli, W. B., & Leiter, M. P. 2001. Job burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422.
Sonnentag, S., & Geurts, S. A. E. 2009. Methodological issues in recovery research. In S. Sonnentag, P. Perrewé, & D. Ganster (Eds.), Currents perspectives on job-stress recovery (pp. 1–36). Bingley, UK: Emerald.
Sonnentag, S., & Fritz, C. 2007. The recovery experience questionnaire: Development and validation of a measure for assessing recuperation and unwinding from work. Journal of Occupational Health Psychology, 12, 204– 221.

Segurança Comportamental

A revista Segurança Comportamental é uma revista técnico-científica, com carácter independente, sendo a única revista em Portugal especializada em comportamentos de segurança.

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