A FADIGA NA CONDUÇÃO

29 abril 2018
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Author :   Diogo Júdice da Costa
Indexação LATINDEX: Júdice da Costa, D. 2017. A fadiga na condução. Revista Segurança Comportamental, 11, 6-12. Diogo Júdice da Costa | Técnico Superior do Gabinete de Apoio à Presidência da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária - Ministério da Administração Interna | diogo.judice@gmail.com

A fadiga é um aspeto que tende a ser menosprezado, uma vez que a sua conceptualização é de grande complexidade e de uma enorme subjetividade. Cabe ao próprio condutor tirar as devidas ilações do seu estado de cansaço e aferir se, efetivamente se encontra ou não em condições de iniciar ou prosseguir uma viagem. Por enquanto, ainda não existem equipamentos de fiscalização em utilização pelas forças de segurança capazes de diagnosticar o estado de fadiga de um condutor. O presente artigo centra-se, essencialmente, numa visão ampla do estado de sinistralidade rodoviária mundial e nacional, alertando para os vários perigos inerentes à condução, definindo e conceptualizando o conceito relativo a fadiga e elencando uma série de medidas preventivas a tomar por forma a não se incorrer no risco de condução sob efeito da fadiga.

RESUMO
A fadiga é talvez o mais desconhecido do conjunto dos fatores que condicionam a condução rodoviária e, consequentemente, a segurança rodoviária. Na verdade, poucos são os que têm noção do quão perigoso é a prática do exercício de condução sob efeito de fadiga, que no seu extremo pode levar ao sono, o que, em ambiente rodoviário pode significar a morte do próprio e/ou de terceiros.
Vários estudos nesta matéria têm sido apresentados, sendo que, destaco o estudo promovido pela Associação Portuguesa do Sono (APS), realizado em 2011, que vem demonstrar uma razoável capacidade do condutor português, apresentando o facto de 71% serem ativos, trabalharem e serem saudáveis. Afinal, de acordo com esse estudo, a maioria não apresenta tensão arterial elevada (88%), têm um baixo risco de apneia no sono (80%), apresenta sonolência normal (91%) e têm uma boa qualidade de sono (64%), bebendo em média 2 cafés por dia.
De referir contudo, que o risco elevado de apneia no sono ter uma prevalência de 10% junto dos condutores portugueses. São essencialmente pessoas com idades superiores a 55 anos, com uma má qualidade de sono e obesos que apresentam uma maior propensão a ter esta doença, sendo que quem sofre desta doença corre 7 vezes mais riscos de sofrer de um acidente por sonolência.
A realidade é que a fadiga é um aspeto que tende a ser menosprezado, uma vez que a sua conceptualização é de grande complexidade e de uma enorme subjetividade. Cabe ao próprio condutor tirar as devidas ilações do seu estado de cansaço e aferir se, efetivamente se encontra ou não em condições de iniciar ou prosseguir uma viagem.
Cabe pois à sua consciência fazê-lo, tomando as medidas mais adequadas e corretas por forma a evitar consequências desastrosas. Por enquanto, ainda não existem equipamentos de fiscalização em utilização pelas forças de segurança capazes de diagnosticar o estado de fadiga de um condutor.

"Todos os anos cerca de 1,2 milhões de pessoas são vítimas mortais
de acidentes de viação e cerca de 30 a 40 milhões ficam gravemente feridas (...) estimando-se que os acidentes rodoviários constituirão em 2020 a terceira causa de morte em todo o mundo."

DESENVOLVIMENTO
O presente artigo centra-se, essencialmente, numa visão ampla do estado de sinistralidade rodoviária mundial e nacional, alertando para os vários perigos inerentes à condução, definindo e conceptualizando o conceito relativo a fadiga e elencando uma série de medidas preventivas a tomar por forma a não se incorrer no risco de condução sob efeito da fadiga.
Atualmente há regras legislativas que delimitam os tempos de repouso obrigatórios para condutores profissionais, às quais as empresas de transportes estão por maioria de razão devidamente vinculadas. Sabêmo-lo contudo, que ainda hoje há muitos empresários que não respeitam aquelas condições, pondo em causa a segurança não só dos seus trabalhadores como também de todos quantos aqueles que transitam no espaço rodoviário.
A consciencialização da sociedade civil para esta problemática é missão de muitos organismos que se situam na esfera privada, mas também da esfera pública, tal como a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que desde há muito vem promovendo ações, quer enquadradas no âmbito da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária (ENSR), quer por sua própria iniciativa no sentido de alertar e criar um sentimento de consciencialização para a questão da fadiga na condução.
Ora considerando que a segurança rodoviária é hoje um tema incontornável em qualquer agenda política, especialmente na dos países mais prósperos e evoluídos, traduzindo-se esta no afirmar do direito à vida, à integridade física, à cidadania e à propriedade, podemos inferir que a consubstanciação destes direitos traduz-se de forma imediata no nível de desenvolvimento dos países e, consequentemente, no bem-estar das populações.
A correlação direta existente entre a segurança rodoviária e a atividade económica, o mundo do trabalho, o lazer e a saúde pública, é muito estreita, envolvendo um enorme conjunto de atividades que fazem parte do quotidiano de todos os cidadãos. Atualmente e cada vez mais, as populações têm necessidade de se deslocar não só para satisfazerem as suas necessidades básicas, como também para acederem aos cuidados de saúde, ao sistema de ensino, ao trabalho e ao lazer.
No século XXI, as deslocações e as viagens fazem já parte integrante da nossa condição humana. Afinal, todos os dias, e em todo o planeta, milhares de milhões de cidadãos utilizam as mais diversas formas de transportes e vias de comunicação para se deslocarem e satisfazerem assim as suas necessidades económicas, sociais e culturais. Infelizmente, também todos os dias, a todas as horas, minutos e segundos, dão-se acidentes rodoviários, aéreos, ferroviários, marítimos e fluviais, fruto, não só de um demasiado complexo sistema de transportes, como também, do ainda mais complexo, sistema humano.
Não poderia nesta rúbrica deixar de quantificar o número médio de fatalidades ocorridas em todo o mundo, sob pena de não proceder a um enquadramento mais amplo e vasto desta problemática universal. Assim, refiro o facto de todos os anos cerca de 1,2 milhões de pessoas serem vítimas mortais de acidentes de viação e cerca de 30 a 40 milhões ficam gravemente feridas.
Na verdade, estes números trágicos tendem a aumentar com o previsível crescimento das taxas de motorização dos países emergentes, estimando-se que os acidentes rodoviários constituirão em 2020 a terceira causa de morte em todo o mundo. Já a nível europeu cerca de 30 000 pessoas morrem nas estradas todos os anos e mais de 1,5 milhões ficaram feridas em cerca de 1,1 milhões de acidentes de viação. Além da tragédia ligada à perda de vidas e às lesões sofridas, esta realidade acarreta igualmente um enorme custo económico para a sociedade europeia de cerca de 130 mil milhões de euros por ano.
A nível nacional e segundo um estudo elaborado pela Universidade Autónoma de Lisboa para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária sobre "O Custo Económico e Social dos Acidentes de Viação em Portugal”, o valor total dos acidentes rodoviários entre 1996 e 2010 foi de 37.549 milhões de euros, o que corresponde a uma média anual de 2.5 milhões de euros – 1,54 do Produto Interno Bruto (PIB) português de 2010.
Ainda de acordo com o referido estudo, em Portugal, o custo médio de acidentes ronda os 60 mil euros. No entanto, o estudo vai mais longe e revela o custo referente aos diferentes tipos de vítimas. Nesta situação, os valores ascendem aos 735 mil euros no caso de acidentes com vítimas mortais e 121 mil euros no caso de acidentes com feridos graves. Quanto aos feridos ligeiros, o custo económico e social médio por cada acidente fica-se nos 32 mil euros.
É pois devido a esta trágica realidade que a União Europeia (UE) está plenamente empenhada em reduzir o número de acidentes rodoviários quer através da prevenção de acidentes, quer melhorando a eficiência dos serviços de emergência e a eficácia da assistência médica pós-acidente. Mas mesmo correndo o risco de acidentes, podemos e devemos afirmar que o sistema rodoviário tem contribuído decisivamente para fomentar a aproximação entre as pessoas, reduzindo os tempos de viagem, mas também melhorando as acessibilidades, e assim, proporcionando maior liberdade, justiça social, conforto e qualidade de vida aos cidadãos a quem o Estado visa servir.
Contudo, reforçamos o facto de que ainda que o atual sistema rodoviário tenha trazido grandes benefícios à civilização mundial, muitas tem sido as consequências negativas do sistema, fruto do drama associado à sinistralidade rodoviária, a qual, se tornou num dos maiores flagelos dos tempos modernos, tendo-se convertido nas últimas décadas num problema de saúde pública à escala mundial, com enormes repercussões a nível social e económico e afetando todas as pessoas do mundo.
A forma como se encara o fenómeno da sinistralidade rodoviária, e como sobre ele se atua, tem que estar imbuído nos valores de cidadania e de pertença à comunidade, afinal a sinistralidade rodoviária não é um problema que o Estado possa de per si resolver na medida em que também depende da ação séria e empenhada, por parte dos cidadãos e, de uma forma geral, de toda a sociedade civil.
Podemos mesmo dizer que a segurança rodoviária é uma responsabilidade de todos. Afinal, a segurança rodoviária sustentável é tão vasta e transversal que se torna numa responsabilidade de todos os cidadãos, quer enquanto na qualidade de condutores, quer como simples peões, e não apenas uma responsabilidade (superior) de organismos estatais e/ou privados com responsabilidades – competências e atribuições - na matéria.
Na verdade, são múltiplas as causas proporcionadoras dos acidentes rodoviários, sendo que, a fadiga, muitas vezes esquecida em detrimento de outros fatores (como o álcool, o excesso de velocidade, a prática de manobras perigosas num desrespeito continuado do código e das regras rodoviárias, o uso e manipulação do telemóvel e/ou outros aparelhos eletrónicos aquando da prática de condução, entre outros maus comportamentos), é também ou poderá estar na origem de muitos acidentes.
Na realidade, a fadiga é pois um aspeto que tende a ser menosprezado, uma vez que a sua conceptualização é algo de grande complexidade e, porque não dizê-lo de uma enorme subjetividade, afinal, ninguém poderá aferir o nível de fadiga do condutor melhor do que o próprio, pois é a este que cabe analisar o nível de fadiga que possui, decifrando todos os sinais e sintomas de fadiga, bem como se consciencializando das consequências que ela pode provocar, e tomando assim as medidas preventivas adequadas a evitar um possível acidente.
Ainda não existem formas de medir os níveis de sonolência e em consequência disso, aplicar-se medidas coercivas e sancionatórias apropriadas, tal como acontece com o álcool, medido através de aparelhos apropriados para o efeito (alcoolímetros). É por esta mesma razão, que se deve apostar de forma decisiva em campanhas de sensibilização e consciencialização para esta problemática.
Mas afinal o que é a fadiga e quais as suas consequências mais imediatas? De que forma poderá ela condicionar comportamentos, desempenhos e performances no ato de condução? E os trabalhadores profissionais, designadamente, taxistas, motoristas de pesados, estarão eles imunes à fadiga? Certamente que não! Existe legislação comunitária e nacional que regulamente a atividade? Certamente que sim!
A fadiga de acordo com a maioria dos dicionários traduz-se numa diminuição da resposta física ou mental que surge após um estímulo frequentemente repetido ou muito mantido. Ora o exercício da condução exige de per si todo um conjunto amplo de respostas físicas a estímulos constantemente percecionados pelo condutor, sendo que se diminuídas poderão comprometer a segurança do próprio ato de condução.
Assim, como consequência da fadiga, e naturalmente das capacidades cognitivas, também as capacidades funcionais ficam diminuídas, afetando o rendimento ou desempenho esperado e provocando uma diminuição dos níveis de vigilância, atenção, perceção, aumentando os tempos de resposta/reação aos impulsos cognitivos recebidos e, pondo em causa a condução segura e responsável que deverá ser apanágio de todos os que a praticam. O ato de condução poderá ser considerada como uma tarefa que exige grande concentração e atenção aos mais diversos detalhes, de origens muito diversificadas e multidirecionais, não devendo por essa mesma razão, estar o condutor inibido das suas capacidades físicas e psicológicas. Afinal, e atrevo-me a dizê-lo, a condução é um exercício constante de decisões e reações não coincidentes, por maioria de razão, com indecisões e/ou não ações.

"A fadiga é, pois, um aspeto que tende a ser menosprezado, uma vez que a sua conceptualização é algo de grande complexidade e, porque não dizê-lo de uma enorme subjetividade, afinal, ninguém poderá aferir o nível de fadiga do condutor melhor do que o próprio (...)."

Um veículo desgovernado, mesmo a uma velocidade reduzida, possui uma enorme energia cinética, comportando, igualmente, uma força devastadora, não só para o condutor como para terceiros. Afinal, para o acidente acontecer, basta um único erro e a fadiga é fator mais do que suficiente para induzir e desencadear erros de condução.
Não devemos pois atribuir só à fadiga a condição de sono e adormecimento, pois esse é o extremo do estado de fadiga. A fadiga é a condição a partir da qual a avaliação feita pelo condutor e a informação processada pelo seu cérebro começa a entrar no erro de perceção da realidade, e para tal não necessita obrigatoriamente de se encontrar em estado extremo, basta o normal cansaço para provocar níveis de concentração mais baixos e tempos de resposta mais lentos, com as naturais nefastas consequências que daí possam advir.
É pois importante que todos estejamos verdadeiramente conscientes de que a fadiga poderá ser tão ou mais perigosa do que outros fatores, como por exemplo o próprio excesso de velocidade. A título de comparação, poderemos mesmo afirmar que, corre menos perigo de acidente, um condutor que circule em excesso de velocidade mas com as suas capacidades em perfeito estado de reação, do que o mesmo condutor em estado de grande fadiga a uma velocidade bem mais baixa.
Afinal, está provado por diversos estudos já realizados, que os efeitos da fadiga na condução são idênticos aos efeitos provocados pelo excesso de álcool. Por exemplo, e em termos médios, uma privação de sono de 17 horas corresponde a conduzir com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 0,50 g/l. Já após 24 horas de privação de sono, a diminuição de desempenho motor é equivalente à observada em indivíduos com uma TAS de 1,0 g/l. Outros estudos permitem concluir também que, na UE a fadiga surge como principal fator e causa em pelo menos 10% dos acidentes envolvendo veículos ligeiros e nos acidentes que envolvem pelo menos um veículo pesado, a fadiga aparece associada a 20% dos acidentes.
De acordo com um estudo recentemente realizado pelo Observatório da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), projeto relativo a indicadores de risco, desempenho de segurança rodoviária e comportamento, que se integra na Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária (ENSR), cofinanciado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), conclui que a fadiga é responsável por 20 por cento dos acidentes rodoviários em Portugal, sendo que, cerca de 23 por cento dos condutores já sentiram fadiga extrema ao volante, 3 cento confessam que chegaram mesmo a adormecer, e ainda 2 por cento admitem que já sofreram um acidente ou evitaram-no por pouco.
Curioso também será de denotar que a uma das perguntas do inquérito realizado pela PRP, nomeadamente, “Se se sentir cansado ao conduzir, o que faz normalmente para ultrapassar esse estado?”, uma percentagem muito grande (45,9%) responde que nunca ou raramente pediria a um passageiro que conduzisse, ao invés de (17,7%) que muito frequentemente ou sempre o fariam.
De referir, que é nas autoestradas (e em especial à noite), onde a fadiga aparece mais facilmente devido à monotonia das manobras, ao tipo de traçado da via e aos longos tempos de condução, que a fadiga e o sono surgem imputados a cerca de 30% dos acidentes como a causa indutiva mais importante. Como causas da fadiga são muitas as que se podem expor, sendo que a mais determinante tem a ver com as poucas horas de sono experiênciadas pela maioria dos condutores que sofrem acidentes como consequência daquela inibição, mas também a condução em horas impróprias, afinal o nosso organismo ao longo das 24 horas do dia assume ritmos naturais diferentes de acordo com a hora do dia, através do chamado “relógio biológico”. À noite está mais propenso ao descanso, “baixando a guarda” e ficando mais vulnerável ao incidente, sendo que é durante este período, que o risco de acidente por sonolência, aumenta, por si só, entre 5 a 6 vezes.
Mas quem está mais propenso a correr risco de acidentes por sonolência? Podemos classificar os condutores profissionais, por conduzirem durante longos períodos, não dormindo poucas horas e muitas vezes em condições não ideais, mas também os jovens condutores que, por sua vez, combinam a privação de sono com a condução noturna. Refira-se a este propósito que cerca de 50% dos acidentes por sonolência envolvem jovens com 25 anos de idade ou menos. De uma forma geral os condutores do sexo masculino são também os mais propensos a este fenómeno (sonolência).
Muito outros fatores influenciam a fadiga, tais como, grandes esforços físicos efetuados, o próprio trabalho intelectual desenvolvido, a ingestão de bebidas alcoólicas, o consumo de medicamentos e/ou estimulantes, e claro, o próprio estilo de vida. No que diz respeito aos fármacos, alguns provocam, pelas suas características e composição química, sonolência, falo dos ansiolíticos, alguns antidepressivos, indutores do sono, anti-histamínicos, alguns antiepiléticos, alguns antipsicóticos, relaxantes musculares, entre outros.
Depois há fatores não induzidos por comportamentos, mas sim por condições físicas próprias, como doença crónica, tais como a diabetes e a obesidade que podem por si só provocar distúrbios ao nível do sono. Mas também muitas outras doenças podem ter influência no ato de condução, lembro por exemplo, a epilepsia e a narcolepsia, entre outras.
Muito de nós (eu próprio) já experienciámos uma situação ou situações de sonolência ao volante. Recordo os tempos em que por razões profissionais, despendia muitas horas por dia ao volante e por mais de uma vez senti perder algumas capacidades para o exercício da condução precisamente por cansaço e principalmente por ingestão de refeições substancialmente pesadas, seguidas de longos períodos de condução, muitas vezes, sob um sol intenso. Também me recordo, por essas mesmas razões, em ter feito pausas de 30 minutos e até mais, em estações de serviço, por forma a recuperar energia e, consequentemente, a voltar à estrada em condições mínimas de segurança.
Do atrás exposto, resulta absolutamente necessário, saber identificar os sintomas da fadiga, de modo a que o condutor se possa precaver, em função de uma condução segura. Assim, os principais sintomas a identificar antes ou durante o ato de condução são a diminuição do estado de alerta, em que o condutor responde mais lentamente do que o normal, bem como a dificuldade em manter os olhos abertos. Estes sinais podem indiciar fadiga e consequente estado de sonolência que pode resultar no adormecimento e perda do controlo da condução.
Não nos podemos esquecer que a condução sonolenta se caracteriza, ou pode-se caracterizar pela existência de micro pausas, que vão dos 2 aos 4 ou 5 segundos, durante os quais uma pessoa adormece, sem que, muitas vezes se dê conta. Ora se circular a uma velocidade de 120 Km/h, uma micro pausa de 3 segundos corresponde a uma deslocação de 100 metros (33,3 metros por segundo!), o que é tempo mais do que suficiente para provocar um acidente com repercussões, eventualmente, desastrosas.
Não é este o espaço mais adequado a um elencar de medidas de prevenção, mas ainda assim, não deixarei de referir algumas, que considero pertinentes por forma a evitar a sonolência no ato da condução. Assim, e antes de se iniciar uma viagem, deve o condutor repousar o tempo necessário e suficiente para que se sinta capaz de se fazer à estrada em condições adequadas à prática de uma condução responsável e segura.
Lembro-me de há muito anos atrás, teria os meus 20 e poucos anos, e após bem mais de 24 horas de privação de sono, ter efetuado uma viagem de Madrid para Lisboa sem qualquer interrupção pelo caminho. O meu objetivo na altura era de chegar a casa o mais depressa possível (para ir descansar!) e por isso fiz aquele percurso, por vezes, em excesso de velocidade, correndo riscos completamente desnecessários e nada racionais. Quero com isto dizer, que muitas vezes não há consciencialização dos perigos que a fadiga acarreta. Inclusive o tipo de condução, mais agressiva (maior velocidade) é consequência de um acumular de horas sem descanso.
Hoje não o faria, pois estou verdadeiramente sensibilizado para estas questões, não só por “defeito profissional” como também por verdadeira noção dos reais perigos que a fadiga acarreta para o exercício da condução, nunca subestimando a sua importância. A condução e a fadiga são incompatíveis, tal como o álcool e a condução!
Temos que saber interpretar os sinais de fadiga e não conduzir quando nos sentimos fatigados. Mas se já vamos em condução, então há que tomar medidas corretivas, tais como parar e descansar antes de prosseguir viagem. Deve-se, sempre que possível, evitar a condução no período normal de descanso, ou seja, entre a meia-noite e as seis da manhã.
Durante a condução, convém manter o habitáculo do veículo devidamente ventilado para evitar uma saturação do ambiente. Longas viagens podem tornar-se aborrecidas e por essa mesma razão, o condutor deve conversar com outro passageiro, caso viaje acompanhado. Mas se se viajar sozinho, deve-se ouvir música e/ou manter uma certa atividade mental, de modo a manter o seu estado de alerta sempre elevado.
O manter um estilo de vida saudável, com uma dieta salutar e exercício físico regular, não só aumentarão a qualidade de vida como a qualidade do sono que lhe está subjacente. Afinal, a prevenção começa no condutor, mas esta prevenção poderá ser incrementada por medidas instituídas a nível governamental. Medidas como a promoção de campanhas de sensibilização, promovidas por várias entidades privadas, tais como a Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), a Associação Portuguesa do Sono (APS), e a nível público como a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), têm sido determinantes para o disseminar de comportamentos sãos e adequados à condução.
Contudo, não só se deve intervir ao nível consciencializador, mas também ao nível legislativo e fiscalizador. Deve-se assegurar uma maior fiscalização dos tempos de condução e de repouso dos condutores de pesados e às empresas, de resto, já amplamente plasmado em legislação comunitária e nacional. Neste contexto, há que salientar que já com o Regulamento (CEE) n.o 3820/85, foi estabelecido para os condutores profissionais os tempos diários de condução e de pausa de modo a que os condutores acabassem por não efetuar períodos excessivos sem repouso integral, com prejuízo claro para a segurança rodoviária.
Aquele regulamento pretendia melhorar as condições sociais dos empregados abrangidos pelo mesmo, bem como a segurança rodoviária em geral, regulando os tempos de condução máximos por dia, por semana e por períodos de duas semanas consecutivas, e prevendo que em caso algum o período de repouso diário seja menor do que um período ininterrupto de nove horas.
Mais tarde e já com o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2006, os tempos de condução passaram a estar sujeitos a algumas regras, a saber:
 O tempo de condução diário não deve ser superior a nove horas. Duas vezes por semana, este limite pode ser alargado até às dez horas;
 O tempo de condução semanal não deve ser superior a 56 horas;
 O tempo total de condução durante qualquer período de duas semanas consecutivas não deverá ser superior a 90 horas;
 O condutor deve registar como «outro trabalho» no tacógrafo qualquer período de trabalho durante o qual não esteja a conduzir, bem como qualquer tempo gasto a conduzir um veículo não abrangido pelo presente regulamento e o tempo de viagem em transbordador (ferry) ou comboio quando não tiver acesso a uma cama ou beliche;
 Após um período de condução de quatro horas e meia, o condutor gozará uma pausa ininterrupta de, pelo menos, 45 minutos ou de 15 minutos seguidos de 30 minutos durante o mesmo período;
 Um período de repouso semanal obrigatório de, pelo menos, 45 horas (período de repouso semanal regular) ou de 24 horas (período de repouso semanal reduzido);
 Se, durante duas semanas consecutivas, o condutor só conseguir gozar um período de repouso semanal reduzido, a redução será compensada por um período de repouso equivalente gozado de uma só vez antes do final da terceira semana;
 Entre dois períodos de repouso semanal, o condutor não pode gozar mais de 3 períodos de repouso diário reduzido;
 Caso o condutor assim o deseje, os períodos de repouso diário e os períodos de repouso semanal reduzido podem ser gozados no veículo, desde que o veículo não se encontre em andamento e esteja equipado com instalações de dormida adequadas;
 No caso de o condutor gozar um período de repouso no qual o veículo é transportado em transbordador (ferry) ou em comboio, esse período pode ser interrompido até duas vezes, com uma duração máxima de uma hora no total. O condutor deve ter sempre acesso a uma cama ou beliche.
Por fim, e porque esta exposição já vai longa, gostaria de referir que têm sido vários os estudos sobre a fadiga, sendo que, de acordo com a maioria dos estudos, se conclui que as campanhas publicitárias deverão ser dirigidas ao público em geral e às empresas de transportes, em particular, por forma a poderem ajudar a educar os condutores sobre este problema com mensagens claras e práticas no sentido de que devem evitar fadiga ao invés de tentar superá-la.
Outros estudos concluem que a fadiga é pois um dos fatores que contribui para a sinistralidade rodoviária, mas ainda assim, continuam a analisar a dificuldade que é em identificar e quantificar a fadiga do condutor e a sua relação com as falhas na condução e o acidente.
Afinal, a dificuldade em quantificar o nível de fadiga de um dado condutor, deve-se à impossibilidade de medir de forma objetiva o grau de fadiga do mesmo quando envolvido num acidente, sendo que também devemos considerar o facto de a capacidade de resistência à fadiga ser muito variável de pessoa para pessoa. Não existe pois um padrão único de fadiga que possa ser devidamente quantificado. Contudo, sabemos que a prevenção é, de longe, o melhor remédio para uma condução sã, em conforto e segurança.

Referências Bibliográficas:
BRIAN C. Teft (2010), «Asleep at the Wheel: The Prevalence and Impact of Drowsy Driving», in https://www.aaafoundation.org
DONÁRIO, Arlindo; SANTOS, Ricardo (2012), «O Custo Económico e Social dos Acidentes de Viação em Portugal». Centro de análise económica de regulação social - Universidade Autónoma de Lisboa.
European Road Safety (2006), «Fatigue» in http:www.erso.eu
NZ Transport Agency (2005), «Fatigue, Staying alert while you're driving», in http:www.ltsa.govt.nz/factsheets/24.html
USA. National Highway Traffic Safety Administration (2001), Drowsy driving and automobile crashes. Report of the NCSDR/NHTSA expert panel on driver fatigue and sleepiness, Washington DC in http:www.nhtsa.dot.gov
Observatório da Prevenção Rodoviária Portuguesa (2014), in http://observatorio.prp.pt/
Portugal. Ministério da Administração Interna: Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (2014), «Relatório de Atividades 2013» in http:www.ansr.pt
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UK. Department for Transport: Road Safety Web Publication No. 21. Fatigue and Road Safety: A Critical Analysis of Recent Evidence, London in http:www.dft.gov.uk
UK. The Royal Society For The Prevention of Accidents (2001), «Driver Fatigue and Road Accidents» in http:www.rospa.com
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NOTA: Sendo este o espaço adequado ao tratamento e/ou à abordagem de assuntos relativos a “comportamentos de segurança” e tendo a Revista Segurança Comportamental assumido desde o seu início um papel verdadeiramente crítico em tudo o que respeita ao desenvolvimento, discussão e intercâmbio de informações e experiências partilhadas por académicos, especialistas, consultores e outros que quotidianamente se dedicam à Segurança Comportamental, fui convidado, na qualidade de alguém que se dedica a estas temáticas, a abordar a questão da fadiga na condução, e consequentemente, a sua relação com a segurança rodoviária.

Segurança Comportamental

A revista Segurança Comportamental é uma revista técnico-científica, com carácter independente, sendo a única revista em Portugal especializada em comportamentos de segurança.

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