INTRODUÇÃO
A indústria da construção regista elevados índices de sinistralidade laboral (Hyoung et al., 2009; INE, 2008) devido às suas características específicas (Tam et al., 2004; Meliá et al., 2008). Esta elevada sinistralidade tem custos económicos elevados (Dong et al., 2007) que afectam a produtividade do sector.
Vários autores (Laitinen et al., 1999; Loosemore e Lee, 2001; Tam et al., 2004) identificaram algumas das causas que afectam o nível de segurança no sector da construção, das quais se destacam:
a) a inadequada organização do trabalho,
b) a inadequada gestão da segurança,
c) a falta de treino/formação, informação e sensibilização,
d) o baixo nível de cultura de segurança e,
e) a falta de supervisão e coordenação.
O Health and Safety Executive (HSE, 2002) concluiu que os factores humanos e organizacionais contribuem em cerca de 80% para os acidentes de trabalho no sector da construção. A erosão e degradação dos sistemas de gestão da segurança é, neste sector, muito mais provável devido a procedimentos impraticáveis, a manutenção insuficiente, a objectivos conflituosos, a falhas na comunicação, ou a insuficiente formação, entre outros (Trbojevic, 2008).
Algumas das explicações apresentadas para os altos índices de acidentes na construção civil têm incluído os factores organizacionais, o estilo de gestão e a política de segurança da empresa, as características pessoais como a idade, a experiência, o conhecimento e a motivação (Landeweer et al., 1990). No entanto, estes factores não se reflectem nos resultados das avaliações de riscos.
A grande limitação para a inclusão deste tipo de factores na avaliação de riscos, está na ausência de consenso sobre o conjunto de parâmetros relacionados com a cultura de segurança, muito embora a literatura apresente diversas dimensões relevantes que parecem ter sido consensualizadas (Guldenmund, 2000; Mearns e Flin, 1999).
Factores como os descritos afectam o desempenho da segurança, especialmente em ambientes “turbulentos” como é o caso da construção:
a) o comportamento de segurança,
b) a organização da segurança,
c) a organização do trabalho,
d) a supervisão,
e) a liderança,
f) os factores pessoais e,
g) a comunicação e consulta.
Todavia, os critérios de avaliação são diversificados em função das técnicas e instrumentos de análise utilizados.
A gestão diária da cultura e clima de segurança, tentando diminuir os factores que possam levar a comportamentos inseguros, fica, na maior parte das vezes, nas mãos dos técnicos de SHT que, de um modo geral, devido a insuficiência de conhecimentos sobre esta temática, tomam decisões baseados na sua percepção individual e efectuam a sua gestão de modo não estruturado.
A secção seguinte relata, na primeira pessoa, a interessante experiência de uma técnica de SHT, de uma empresa de construção que labora em Curitiba, capital do Paraná, Brasil.
«O Health and Safety Executive (HSE, 2002) concluiu que o comportamento humano é o factor que contribui para cerca de 80% dos acidentes de trabalho no sector da construção.»
GERIR O CLIMA DE SEGURANÇA
Trabalhar com o pessoal da produção, principalmente na construção civil, apesar da grande exigência é bastante gratificante pelo desafio diário que apresenta. Muitos são os factores que tendem a influenciar de forma negativa o trabalho com a segurança, tais como: a) cronogramas apertados, b) excesso de confiança e c) obtenção de dinheiro principalmente por parte do pessoal que ganha por produção.
Desta forma a exigência do profissional ligado à segurança do trabalho é cada vez maior, pois vê-se obrigado a fazer mudanças e adaptações constantes na sua gestão para gerir o comportamento das pessoas com as quais trabalha.
Foram estas preocupações que me levaram a pensar na análise do pessoal fora do horário de trabalho. Se era bom ou ruim o dia a dia, como viviam os relacionamentos familiares, como era a rotina, quais os objetivos de vida, os seus sonhos.
Iniciei o meu trabalho empírico com um levantamento do pessoal que trabalhava comigo na produção. Em média são 154 funcionários da própria empresa e mais 193 funcionários de 27 empresas terceirizadas, totalizando 347 pessoas. O total de trabalhadores encontram-se distribuídos por 4 obras realizadas pela empresa que foca a construção de prédios residenciais com um máximo de 4 blocos até 12 andares. Destes trabalhadores 158 são profissionais de produção, como carpinteiros, pedreiros, pintores, gesseiros, mecânicos, soldadores, montadores. Os outros distribuem-se em auxiliares e pessoal técnico, responsáveis pela produção. Também os classifiquei por idade (ver gráfico 1) e estado civil (ver gráfico 2). A classificação não teve em consideração a diferenciação entre trabalhadores da própria empresa e trabalhadores prestadores de serviço.
Comecei por conversar com 6 funcionários, que tinham sofrido acidentes, 2 tinham resultado em quedas de altura, 1 de amputação de dedo, 2 resultaram de atropelamentos e 1 de um ferimento na mão. As quedas ocorreram com menos de dois metros de altura, para a qual não se exige o uso de equipamento de protecção. Uma dessas quedas levou ao afastamento do trabalhador.
O que mais surpreende é que todos eram profissionais antigos, casados, com idade entre 41 a 50 anos e que dominavam bem o que faziam. Comecei por pensar que havia em comum o excesso de confiança e que poderia ser esse o problema, mas não! Descobri que todos os trabalhadores no dia do acidente tiveram algum problema de briga em casa com filhos rebeldes, esposas ciumentas ou que gastam demais, outros ainda com os pais doentes. Associado a estes problemas familiares, diagnostiquei também que estes trabalhadores não tinham ninguém para falar sobre o assunto, com medo dos colegas troçarem deles.
Em seguida constatei o mesmo problema com cerca de 30 outros funcionários que, frequentemente, estavam necessitando de pequenos curativos principalmente nas mãos, e a resposta foi a mesma. Estes estavam no que chamo de “olho do furacão” prestes a acontecer algo mais grave. Embora este grupo se distinga do anterior em relação ao estado civil (10% eram solteiros), estava presente outra característica que estava relacionada com carências financeiras (40% destes 30 funcionários tinham problemas económicos). Depois conversei com mais ou menos 50 funcionários mais calmos e que, nunca ou raramente, tinham procurado curativos e a resposta estava lá, estes conversavam mais com os familiares, participavam de algum trabalho religioso ou sempre estavam fazendo algo diferente para se divertir como: pequenas viagens, cuidando de hortas, jogando futebol. Os dados pareciam facilmente perceptíveis, mas como fazer o ser humano entender e mudar o seu comportamento?
Resolvi fazer um trabalho, mais amplo com as novas admissões. Primeiro mudei a integração, antes ela começava com as exigências da Empresa e os riscos aos quais a pessoa estava exposta, hoje faço a integração, com imagens para que ajude à memorização, sobre qualidade de vida, a importância da alimentação, da família, o quanto é importante trocar experiências com os colegas e familiares, a importância dos amigos que nos ajudam a resolver problemas que para nós parecem gigantes, mas quando vivenciados por alguém que já os resolveu, tornam-se insignificantes.
Relativamente aos trabalhadores que já estavam nos quadros, comecei um trabalho “formiguinha”, associando problemas com as soluções pelas quais os outros colegas haviam passado, ou como um colega poderia ajudar outro com a sua experiência em algum assunto semelhante. Com tudo isso, descobri que trabalhar com o emocional exige mudanças subtis, e que as coisas têm que ser pensadas, por quem está passando pela situação. Eis o “X” da questão, fazer perceber ao outro a importância da focalização na solução dos problemas e deixar de gastar energia no próprio problema, saber que a solução está nele mesmo e não nos outros.
Para chegar a isso tive que deixar bem claro, que só posso ajudar a pensar. Não existem fórmulas prontas e cada caso é um caso.
Precisei passar por mudanças também, o facto de ser a única mulher num lugar só de homens, muitas vezes dava-me conta que falava com eles como falo com o meu filho ou com o meu marido. Mas não podia ter essa postura, porque em casa as mães e esposas reclamam, mas a seguir vão fazer, vão resolver os problemas. Aqui eu não podia resolver-lhes as situações, o meu objectivo era fazer com que pensassem, descobrissem e mudassem o que estavam fazendo de errado.
«(…) explicações apresentadas para os altos índices de acidentes na construção civil têm incluído (…) as características pessoais, como a idade, a experiência, o conhecimento e a motivação.»
Comecei então a testar a minha paciência, sem falar, fico apenas olhando para os que realizam o trabalho de maneira errada, escolho lugares próximos para que me vejam e se questionem sobre o porquê de estar ali parada. O resultado é rápido, afinal ninguém quer ser motivo de chamada de atenção, o mais interessante é que os outros param e tentam ver o que há de errado. Quando acho que o grupo já percebeu o porquê da minha presença ali, então silenciosamente saio com um sorriso de agradecimento.
Conforme refere Guareschi (2010), o importante é mudar as coisas e não apenas manter as coisas como são. Ainda estamos gatinhando, temos muito que aprender, pois só há pouco mais de um ano estou trabalhando desta forma.
Hoje isso tudo é gratificante e o resultado é visível: vejo muitos colegas conversando nos intervalos, cuidando uns dos outros, se ajudando e principalmente, vindo me procurar preocupados relatando o que o outro está passando!
Junto a isso, o facto de os acidentes diminuírem é um resultado gratificante, e que está especificado no gráfico acima.
Com esta forma de trabalhar conquistei algo mais, promovi o trabalho de equipa. Mas o trabalho tem que continuar. É necessário, fazê-los entender que são parte da solução e não do problema. É importante saberem o quanto são importantes para seus familiares, a necessidade de terem o “pé no chão” como profissionais, pois tudo isso pode fazer diferença na sua vida e também na de alguém.
Utopia? Não sei, só sei que pessoalmente e profissionalmente tudo isso me traz um imenso prazer!
CONCLUSÕES
Os modelos de análise e avaliação do clima e cultura de segurança, designadamente, ao nível do papel das chefias, do envolvimento dos trabalhadores, da comunicação nos dois sentidos, da incorporação de aprendizagens com base nos erros do passado, da mudança de atitudes face à culpa e da prioridade dada à segurança em detrimento do absolutismo da produção, é algo que pode ser medido e avaliado, já que é conhecido o seu impacto na sinistralidade. Mas, para tal, há que dotar os profissionais de competências que permitam realizar o diagnóstico e intervenção nesta área. O mesmo acontece com a importância da mudança dos comportamentos inseguros, nomeadamente, através de métodos de observação e melhoria de práticas inseguras, do uso de feedback e do recurso ao reforço positivo nos processos de mudança. Também aqui, é importante dotar os técnicos superiores de sólidos conhecimentos para, puderem responder, de forma eficaz, aos desafios que se lhes colocam. Todavia, não pudemos esquecer que o trabalhador traz de fora muitas tensões e conflitos que vão afectar o domínio do corpo e da mente em situações de exigência. Daí a importância também de um ambiente de trabalho amistoso que minimize outros factores de mais difícil controlo pela organização.
A partilha de conhecimentos e, principalmente, de experiências é um caminho a ser seguido, desenvolvido e divulgado na gestão da segurança comportamental.
Bibliografia
Dong, X et al., Medical Costs and Sources of Payment for Work-Related Injuries Among Hispanic Construction Workers. Journal of Occupational and Environmental Medicine 49 (12), 2007, pp. 1367-1375.
Guldenmund, F.W., The nature of safety culture: a review of theory and research. Safety Science 34 (1–3), 2000, pp. 215–257.
Hyoung, JI. et al., The characteristics of fatal occupational injuries in Korea’s construction industry, 1997–2004. Safety Science, 47(8), 2009, pp. 1159-1162.
INE, Statistical Yearbook of Portugal 2007. Instituto Nacional de Estatística (INE), Lisboa, 2008.
Laitinen, H., Marjamaki, M. e Paivarinta, K., The validity of the TR safety observation method on building construction. Accident Analysis and Prevention, 31,1999, pp. 463–472.
Landeweer, J.A. e al., Risk taking tendency among construction workers. Journal of Occupational Accidents, 11, 1990, pp. 183-196.
Loosemore, M. e Lee, P., Communication problems with ethnic minorities in construction industry. International Journal of Project Management, 20, 2001, pp. 517–524.
Mearns, K.J. e Flin, R., Assessing the state of organizational safety – culture or climate? Current Psychology: Developmental, Learning, Personality, Social 18 (1), 1999, pp. 5–17.
Meliá, J. L. e al., Safety climate responses and the perceived risk of accidents in the construction industry. Safety Science, 2008.
Tam, C. M., Zeng, S. X. e Deng, Z. M., Identifying elements of poor construction safety management in China. Safety Science, 42, 2004, pp. 569–586.
Trbojevic, V. M., Optimising hazard management by workforce engagement and supervision. HSE, Norwich, 2008.