OS DESAFIOS DA ANDRAGOGIA

31 março 2017
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Author :   Nuno Queiroz de Andrade
Citar ARTIGO: Andrade, N. 2014. Os desafios da andragogia. Revista Segurança Comportamental, 9, 40-41. Nuno Queiroz de Andrade | Presidente da Associação Profissional de Formadores, em Portugal

Os grandes avanços verificados, nos últimos anos, nas ciências da formação demonstram que o termo andragogia é uma das vias de melhoria da qualidade das práticas formativas. No entanto, a andragogia continua a ser praticamente desconhecida, e até ignorada. Continua-se a dar formação a adultos segundo o método utilizado em crianças, com base na pedagogia. Afinal, nas empresas trabalham crianças?

A formação está situada num campo de intersecção de algumas das linhas de força mais poderosas da vida da sociedade, da economia, das empresas e das pessoas. Nela cruza-se uma diversidade de interesses, necessidades e desideratos, nem sempre convergentes. Envolve um elevadíssimo número de cidadãos que, todos os dias, trabalha nas diversas atividades implicadas na realização e gestão de ações de formação, nos mais diversos âmbitos e níveis. Por isso, a formação reúne as condições para ser um dos mais poderosos recursos disponíveis para a implementação e concretização de uma estratégia de desenvolvimento, tão importante na atualidade.
Apesar desta posição central e da importância decisiva que a formação representa para as pessoas, as organizações e o país, a melhoria da qualidade das práticas de formação continua a ser uma necessidade e, até  mesmo,  uma urgência em diversos setores e organizações. Os grandes avanços verificados, nos últimos anos, nas ciências da formação (Alcoforado et. al. 2011; Bernardes, 2013; Salas et. al., 2012) demonstram que o termo andragogia é uma das vias de melhoria da qualidade das práticas formativas. No entanto, a andragogia continua a ser praticamente desconhecida, e até ignorada, pela maioria dos intervenientes e atores nos processos de formação. Este artigo pretende demonstrar, com base nos recentes estudos científicos das ciências da formação e da andragogia,  que a andragogia contribui, de forma decisiva, para a melhoria da qualidade das práticas de formação e, portanto, dos seus resultados. Se o termo andragogia for plenamente integrado nas atividades dos formadores, dos gestores de formação e de outros profissionais que podem participar na implementação dos processos formativos, e também dos decisores políticos e organizacionais, as ações de formação ganham mais eficácia e utilidade prática,  os formandos desenvolvem mais plenamente as suas competências e aplicam-nas melhor nas suas vidas e no seu trabalho, tornando-se pessoas mais felizes e ajudam as organizações onde trabalham a ser mais eficientes.
A andragogia foi definida por Malcom Knowles (1976) como “a arte e a ciência de ajudar os adultos a aprender”. Este estranho neologismo foi imediatamente adotado pela UNESCO para afirmar com clareza e de forma universal que a educação e a formação de adultos, em qualquer contexto ou temática,  precisa,  para  ser  eficaz,  de  considerar  a  forma própria como os adultos abordam a aprendizagem, que é totalmente diferente da de outro grupo etário (crianças, adolescentes ou jovens). A vida adulta (Ferreira, 1999) caracteriza-se pela autonomia, desejo de autorrealização e acumulação de vivências e experiências que levam, num contexto de aprendizagem, a privilegiar a aplicação prática e imediata do que se aprende, para lidar com os compromissos e responsabilidades e que se relaciona com a sua valorização pessoal e profissional.
Para os adultos é a sua experiência de vida, pessoal e profissional, que dá significado e conteúdo às aprendizagens.
A motivação para aprender vem da vontade de mudar e melhorar, vencendo desafios e alcançando objetivos pessoais.

Três dimensões de mudanças
Deste conceito derivam três dimensões de mudanças para a melhoria das práticas de formação que são, em si mesmas, orientações de boas práticas:
(1) As estratégias e os métodos a utilizar durante a formação, pelo formador. As situações de aprendizagem devem ser abordadas a partir da experiência e das necessidades de melhoria dos participantes e não dos conteúdos, pois estes têm a função de ajudar a melhorar o trabalho e a vida das pessoas. A abordagem deve ser prática e privilegiar a procura de soluções úteis e aplicáveis por cada pessoa no seu próprio contexto profissional e pessoal de forma a introduzir melhorias visíveis.
(2) O que acontece antes e depois do período da formação. As ciências da formação (Salas et. al., 2012) têm mostrado que a eficácia de uma ação de formação depende tanto do que acontece no período da formação, como o que os participantes da formação vivem antes e depois da formação e acerca da própria formação. A eficácia da formação depende de se explicar aos participantes a sua necessidade e de se proporcionar a possibilidade de aplicar as aprendizagens na melhoria do trabalho e da vida.
(3) Contributo da formação para o desenvolvimento do adulto enquanto pessoa. As ações de formação só introduzem mudanças efetivas no comportamento e na atitude quando estão integradas numa perspetiva de educação de adultos. O adulto não é apenas um profissional, mas também um cidadão e uma pessoa, com capacidade de participar na sociedade e na empresa, realizando-se com o trabalho e seu contributo para a sociedade.

“(…) Três dimensões de mudanças (…):
(1) As estratégias e os métodos a utilizar durante a formação, pelo formador.
(2) O que acontece antes e depois do período da formação.
(3) Contributo da formação para o desenvolvimento do adulto enquanto pessoa.”

Dificuldades de implementação do modelo andragogico
Para a implementação do modelo andragogico nas empresas, surgem várias dificuldades. Parece-me que a dificuldade de implementação mais notada, atualmente, reside na falta de conhecimento para que os formadores exerçam o seu papel alinhado às orientações andragogicas. Há necessidade de transmitir conhecimento sobre métodos e técnicas andragogicas para que os formadores assumam o papel de facilitadores.
Sabemos que os formadores farão sempre o melhor que podem, mas o “melhor” que cada um pode oferecer talvez não seja o bastante para educar as pessoas ou ajudá-las a mudar no sentido de agirem preventivamente (Augusto, 2012). Neste processo de educação em que cada um faz o melhor que sabe, o modelo é o de aprendizagem de crianças (pedagogia), ou seja, é um processo de educação tradicional, onde o formador assume o papel de professor, detentor de todo o conhecimento, centro de atenções do processo. No entanto, refere Natividade Augusto (2012) que nos contextos empresariais não se encontram crianças a trabalhar. Os trabalhadores são pessoas adultas, com grau de autonomia sobre a sua própria vida, e que carregam consigo uma mala de conhecimento e experiência adquirido ao longo de suas trajetórias de vida.

“(…) refere Natividade Augusto (2012) que nos contextos empresariais não se encontram crianças a trabalhar. Os trabalhadores são pessoas adultas, com grau de autonomia sobre a sua própria vida, e que carregam consigo uma mala de conhecimento e experiência adquirido ao longo de suas trajetórias de vida.”

Andragogia e a segurança
Se aplicarmos a andragogia aos programas de mudança para a gestão da segurança baseada em comportamentos (Augusto, 2012) poderemos colher alguns resultados, por exemplo:
a) na sustentabilidade da mudança relativamente aos preconceitos, atitudes, comportamentos e hábitos, potenciada pela troca de experiência através de dinâmicas de grupo que atuam nas relações interpessoais;
b) se há uma mudança sustentada e conduzida, então contribuirá para a evolução da maturidade da cultura de segurança, conduzindo à redução e eliminação de lesões, através de um aumento  de  consciência  de segurança nos trabalhadores/participantes.
Em suma, mudar as práticas de formação centrando-as no que é específico da andragogia - este é o maior desafio que a melhoria da qualidade da formação enfrenta. Dele depende a eficácia da formação para responder à evolução do mundo do trabalho que o século XXI nos trouxe.

Referências Bibliográficas:
Alcoforado, L. e Col. (2011). Educação e Formação de Adultos. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Augusto, N. (2012). Programa de Segurança e Saúde Comportamental (PRE), in International Conference on Health Techonology assessment and quality management. Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa: Lisboa
Bernardes, A. (2013). Políticas e Práticas de Formação em Grandes Empresas. Porto: Porto Editora.
Ferreira, P. (1999). Guia do Animador. Lisboa: Multinova.
Salas, E. e Col. (2012). The Science of Training and Development in Organizations. Organizational Training and Development, 13 (2), 74-101.

Segurança Comportamental

A revista Segurança Comportamental é uma revista técnico-científica, com carácter independente, sendo a única revista em Portugal especializada em comportamentos de segurança.

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