Os exercícios de emergência são acontecimentos ou realizações de validação de planos e/ou procedimentos e podem dar-nos indicações preciosas sobre a competência da organização em resolver tarefas de urgência, face a situações de emergência. Indicam-nos, potencialmente, tanto mais se forem bem planeados e melhor conduzidos, as áreas onde “estamos bem” e outras onde “podemos melhorar”, ou seja, o estado de preparação da organização para fazer face a situações inesperadas. É sobre o Desenvolvimento de um exercício de emergência, a etapa fulcral do planeamento e determinante na Concepção de exercícios que se debruça, principalmente, este artigo, pretendendo despertar os potenciais planeadores de exercícios para a competente complexidade desta arte. Por desconhecimento ou outras razões cridas como respeitáveis, não é, normalmente, feita uma sequência de exercícios de um programa harmonioso deste, em que se passaria, de forma evolutiva, do mais simples para o mais complexo, a partir de lições aprendidas de cada um e das fragilidades detetadas aquando do desempenho dos Elementos Participantes. A Federal Emergency Management Agency – FEMA (1) – indica, como referência, uma duração de 18 meses de fecho de um ciclo completo de exercícios desde os aparentemente mais simples (Seminário) ao mais complexo (Simulacro “multi-site” (2)), passando pelos Procedimentos ou Sectoriais, pelos de Decisão (tipo table top exercise – TTX -brainstorming), ou pelos Funcionais (tipo Command Post Exercise - CPX). Todos estes exercícios assumem variantes do tipo “básico” ou do tipo “avançado” que, se combinados, formam diferentes tipos de outros exercícios, podendo contemplar cerca de 14 variantes diferentes. A etapa (3) do Desenvolvimento, consciente e profissionalmente elaborada, deverá estar na Concepção (4) de todos eles. Os exercícios têm, quase sempre, uma componente de treino e outra de avaliação, embora haja exercícios em que a componente avaliação é, praticamente, inexistente (5). A componente de treino deverá anteceder a da avaliação, e ir decrescendo de relevância ao longo de um Programa de Exercícios, ao mesmo tempo que a da avaliação deverá crescer, principalmente como “medida” da qualidade do esforço produzido e não como aspecto negativo, potencialmente punitivo.
A etapa do Desenvolvimento de um exercício, num processo de Concepção e para a forma de Implementação de Medidas Corretivas é de grande importância na transição da fase do Planeamento para a da Condução.
OS OITOS PASSOS DO DESENVOLVIMENTO DE UM EXERCÍCIO
Para se ter a noção da sua relevância, indicam-se oito passos característicos da sua genética e a merecerem muita atenção e imperativa dedicação. Os primeiros quatro imprescindíveis em qualquer exercício, os últimos quatro crescem de importância e necessidade conforme o grau de ambição e dificuldade do exercício em causa:
1. Avaliação das Necessidades
Um estudo sistemático da situação define necessidades de treino e avaliação de desempenho da organização, revela problemas que se querem tornar em tarefas a resolver e não obstáculos intransponíveis. Parte-se de fragilidades evidenciadas em registos de segurança para o desenho de exercícios a escolher.
2. Definição do Âmbito
Como não se pode testar tudo, a toda a hora, em todas as circunstâncias, há que estabelecer limites e assuntos identificados na Avaliação de Necessidades.
Há que estabelecer prioridades e fazer escolhas.
3. Definição da Finalidade
A Finalidade tem uma abrangência estratégica.
É um objetivo global que se vai desmultiplicar em objetivos específicos de abrangência táctica que se dividem em Terminais ou Principais / de Aptidão ou Secundários.
4. Definição dos Objetivos
Um objetivo é a base da observação do desempenho dos elementos participantes. Muitos objetivos tornam-se evidentes por ocasião da avaliação de necessidades, quando a equipa de planeamento identifica as áreas que necessitam de melhoria. Os Objetivos andam de mão dada com a Finalidade, focalizados no desempenho, devendo estarem presentes em todas as fases de criação de um exercício.
5. Estabelecimento do Cenário
Um exercício é uma estória que simula uma situação, no caso presente, uma emergência, baseada num cenário (num “pano de fundo” que identifica o acontecimento) que se vai desenvolvendo a partir de um inicial, com uma estória que segue um determinado Guião. O Cenário pode ir sendo desenvolvido, mas manter-se a base, ou o cenário pode ir mudando e o ambiente (a base) também.
6. Listagem de Eventos
Os Eventos são as ocorrências que vão fazendo seguir a estória, baseada num Guião, compondo-o. Dão origem aos incidentes.
Os eventos injetados pelos simuladores, normalmente sob a forma de mensagens, não são avulsos e intempestivos mas sim ações que levarão os Elementos Participantes a respostas ordenadas (Ações Esperadas no plano) e baseados nos Objetivos identificados. Os Eventos devem estar, sempre, relacionados com os Objetivos, descrever situações, simular ações e expor assuntos por resolver, entre outros.
7. Listagem de Ações Esperadas
As Ações Esperadas são as respostas baseadas no plano, acreditando que os Elementos Participantes venham a realizar.
A diferença entre as Ações Esperadas e as realizadas pode dar contributos para uma métrica de avaliação.
Tal como os Eventos, as Ações Esperadas estão intimamente relacionadas com os Objetivos.
Os Eventos, injetados por várias formas (normalmente como referido, por mensagens) e as Ações Esperadas têm por base os Objetivos e são integrados no Guião (também designado por “lista global de eventos”).
8. Preparação de Documentação
Finalmente a Documentação. É uma designação muito abrangente e que engloba todos os documentos de suporte às equipas tanto de Planeamento como de Condução e inclui o Guião, os Planos do Exercício (Plano do Exercício, Plano de Controlo, Plano de Avaliação, Resumo do Exercício, Manual do Participante), as Listas de Verificação, as Grelhas de Avaliação, problemas, manuais, referências técnicas, logísticas, humanas, as mensagens e todo o tipo de impressos necessários.
Oito passos do Desenvolvimento de um Exercício:
Avaliação das Necessidades
Definição do Âmbito
Definição da Finalidade
Definição dos Objetivos
Estabelecimento do Cenário
Listagem de Eventos
Listagem de Ações Esperadas
Preparação de Documentação
É premente enfatizar que, quer por experiência própria quer pelas recomendações bibliográficas, um bom Desenvolvimento de um exercício na sua fase de Planeamento contribuirá decisivamente para um bom treino, uma boa execução, levando a uma necessária avaliação que conduzirá, inevitavelmente, a boas e úteis lições aprendidas e à potencial introdução de medidas corretivas acompanhada por organização competente, consciente e determinada (requisitos de sucesso). Poderemos planear exercícios sem abordar seriamente a etapa do Desenvolvimento e a observação rigorosa dos seus oito passos? Sim, mas o trabalho realizado terá, seguramente, menor qualidade e será mais difícil atingir os Objetivos e Finalidade (quando e se devidamente identificados).
O COMPORTAMENTO DAS PESSOAS NO TREINO
O comportamento das pessoas em treino depende de múltiplos fatores e esperamos que seja objeto de abordagem mais aprofundada numa outra oportunidade.
Depende, e muito, da qualidade do Planeamento, das cinco etapas da Concepção (indicadas na n.r.p.1) e da qualidade da Equipa de Condução.
Os Elementos Participantes tenderão a desempenhar bem, as tarefas para os quais foram bem treinados. Melhor o treino, em princípio melhor o desempenho, maior possibilidade de alargar o âmbito, maior probabilidade de serem assimiladas lições para o futuro e identificar fragilidades. É para isso que os exercícios servem. Não é para se fazerem para ficarem feitos e não se pensa mais nisso até ao próximo.
Se tudo “corre bem”, sem falhas, algo, então, correu verdadeiramente mal, mas a montante, na etapa do Desenvolvimento do Exercício (a tal). Provavelmente foram mal identificadas as Necessidades. O comportamento pode ser manipulado numa primeira fase e libertado numa outra. Depende da maturidade dos Elementos Participantes e dos Elementos Adicionais (Equipas de Planeamento e de Condução).
Quem não gosta de ser considerado?
Quem não gosta que se preocupem com ele?
Quem não gosta de ser animado, potenciado?
Quem não gosta de ser seduzido?
Numa reação inicial, na preparação e treino para um exercício e, mais complexo, para uma eventual avaliação, a desconfiança é uma barreira a vencer, profissional e humanamente.
Por vezes é difícil, mas quando o exercício acaba, são feitas as conclusões provisórias que antecedem o relatório final e os Elementos Participantes, antes desconfortados e fastidiados, perguntam: “Quando podemos treinar mais”?
Por vezes acontece e é bom. Faz valer a pena.
Certamente ajudámos a melhorar qualquer coisa, entre pessoas, ambiente e bens.
“O comportamento pode ser manipulado numa primeira fase e libertado numa outra. Depende da maturidade dos Elementos Participantes e dos Elementos Adicionais (...)”
(1) Similar à ANPC dos U.S.A.
(2) Que se desentola em mais de um local, eventualmente com Cenários diferentes em cada um
(3) Uma em cinco: Estabelecimento da Base, Desenvolvimento, Condução, Avaliação e Introdução de Medidas Corretivas
(4) Tarefa envolvida no Planeamento e completada pela Condução e Avaliação
(5) Devido a interesses vários, por vezes não muito claros, mas a abordar oportunamente
Referências bibliográficas
Almeida, J.E. (2008). Organização e Gestão da Segurança em Incêndios Urbanos. Master Dissertation (in Portuguese). FCTUC / LNEC, University of Coimbra.
Autoridade Nacional da Protecção Civil (2012). Guia de Planeamento de Exercícios. Lisboa, Autoridade Nacional de Protecção Civil
Cordeiro, E., Coelho, A. L., Rossetti, R. J. F., & Almeida, J. E. (2011). Human Behavior Under Fire Situations – Portuguese Population. In 2011 Fire and Evacuation Mode-ling Technical Conference. Baltimore, Maryland, August, 15-16.
Federal Emergency Management Agency (2006). Exercise Design, Washington, Federal Emergency Management Agency
Marques, G. (2006). Planeamento Programação, Concepção, Desenvolvimento e Avaliação de Exercícios. Lisboa, Instituto Superior de Educação e Ciência
Phelps, R. (2012). Emergency Managements Exercises.From Response to Recovery. São Francisco, Chandi Media.